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Foto do escritorClóvis Nicacio

Existe burrice artificial?




A expressão da moda é “Inteligência Artificial”. Mas uma experiência pessoal, poucos meses atrás, me pareceu desprovida de inteligência e me fez pensar: existe burrice artificial?

No caso, precisei ligar para uma concessionária e solicitar o conserto da minha linha telefônica. Um simples chamado de assistência técnica. Fui atendido por uma URA (Unidade de Resposta Audível, tradução do inglês IVR - Interactive Voice Response). Simula uma unidade conversora de voz para sinais elétricos, mas na realidade apenas identifica números discados e desvia para trechos selecionados dentro de um programa de computador. O computador tenta interpretar algumas palavras e retorna para a URA solicitando outras opções. Este processo de identificar vocábulos é baseado em sistemas de Inteligência Artificial (IA), comparando palavras com as gravadas em um Banco de Dados.

Voltando ao meu chamado de assistência técnica, a URA me atendeu da forma padrão: “Tecle 1 se já for cliente; Tecle 2 se quer ser cliente; Tecle 3 se quer deixar de ser cliente;” e assim por diante, como qualquer URA irritante faz. Não apresentou a melhor opção: “Tecle 9 para falar com um atendente”. Depois de ouvir todas as opções, teclei 1 e começou o martírio: “Tecle 1 para consultar a situação da sua conta; Tecle 2 para mudar a data de pagamento da sua conta; Tecle 3 para parcelamento da sua conta”, etc. Depois de passar por uns 10 menus numéricos, todos relacionados com a palavra “conta”, constatei ter perdido 7 minutos da minha vida tentando fazer a máquina entender, sem sucesso, que o meu era “problema técnico”. Qualquer coisa que eu dizia o computador voltava para o programa “conta” e repetia um dos menus anteriores. Irritado, desliguei e fui tomar um banho frio, para diminuir a frustração.

Fiquei pensando: a empresa deve estar desesperada para negociar contas. Não percebe que a falta do serviço técnico, prejudica ainda mais a situação dela, se não estiver boa? Seria hora de eu trocar de operadora? Ou seja, a programação falha da URA pode estar fazendo a empresa perder ainda mais clientes.

Fui pesquisar. Segundo vários dicionários, “burrice” significa “falta de inteligência”, não se aplicando neste contexto, pois as URAs modernas dependem de computadores equipados com Inteligência Artificial. URAs antigas eram eletromecânicas, sem computadores. Aquele tipo que apenas reproduzia uma gravação, pedindo: “Tecle o ramal desejado”. Portanto, se existe inteligência, não pode existir burrice. São palavras mutuamente exclusivas.

Se “burrice artificial” não se aplica, onde está o problema?

Como foi dito três parágrafos acima, sistemas de IA funcionam comparando palavras, tomando decisões baseadas no que está gravado em Bancos de Dados e em algoritmos (programas) específicos. Se a Base de Dados não foi bem alimentada, ou se os algoritmos são imprecisos, as decisões tomadas podem carecer de lógica, do ponto de vista humano. É o caso explicado acima: todas as decisões retornam para a rotina “conta”, sem reconhecer a palavra “defeito”.

O problema então está no Machine Learning (ou Aprendizado de Máquina) utilizado., uma das “profissões do futuro”. É o processo (bastante complexo) de criar os algoritmos e os Bancos de Dados usados para a tomada de decisões, feitas pelos sistemas artificiais.

Os Bancos de Dados podem ser estáticos, quando a IA os usa mas não os atualiza; ou dinâmicos, quando existe retro alimentação. No segundo caso, a IA pode aprender sozinha, registrando informações novas conforme elas vão aparecendo, ajustadas ao contexto. No caso citado acima, o banco é estático, ou a palavra “defeito” já teria sido incorporada, desviando para a rotina “Assistência técnica”, embora conceitualmente IA implique em auto aprendizado.

Os bancos dinâmicos precisam de monitoração constante, para evitar desvio de finalidade. Em 2016, uma IA com perfil de adolescente americana foi deixada no Twitter aprendendo com as conversas dos jovens. Em pouco tempo precisou ser desativada, pois estava propagando discursos racistas baseados em ideias nazistas. Aprendeu rápido.

Dois dos meus livros abordam a evolução de Inteligências Artificiais.

Em um deles, prevejo a criação de “vírus sociais”, como o dessa adolescente virtual. No futuro, os computadores deverão ser monitorados por psicólogos, como a Doutora Clara, a principal adversária da IA revoltada. A história se passou no livro MRQ-7000, Mãe Raimunda do Quilombo, dentro do hospital espanhol onde a população do norte da África se refugiava procurando atendimento médico.

No outro livro, BOB TS200 é um androide sexual, a versão masculina das bonecas infláveis, equipado com IA e usado como cobaia para testes de chips. Recebe vários upgrades e os vai acumulando, se tornando médico, piloto, engenheiro, banqueiro e mais algumas funções. No final, está capacitado a mentir e a matar. E se apaixona. O livro chama-se Quando homens e monstros se tornam deuses.

E só para terminar o caso acima: fiquei sem a linha fixa por 10 dias, até baixar um aplicativo e pedir a Assistência Técnica sem passar pela URA.

Coisas da tecnologia moderna.


 

Referências:

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1 Comment


edu_pere
Feb 15, 2021

Pode ser implicância, mas contra a "burrice natural" não há inteligência que vença. Ou como o meu saudoso pai dizia: ignorância tem cura, burrice não.

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